domingo, 29 de junho de 2014

De perdas, Chuletas e Restauros

Apesar de fazermos tudo funcionar, as vezes dá pau.

Quando meu sono dá lugar as vozes, minha cama vira espaço pra dança solo, numa luta pela tranquilidade noturna incapaz de deixar as imagens mais recentes: se faz a hora das três produzir ferramentas pra amenizar o que nos impede de avançar.

"Na casa do meu avô tem cheiro de rosa branca, defuma, defumadô, a casa do meu avô";

Era noite, o candomblé rolando lá embaixo e eu na casa que fora minha na primeira infância, aguardando acabar. tentava dormir mas era frio, olhava para o teto e via a cor escura da umidade que tomava mais e mais. Meu avô não fez telhado, na laje a água infiltrava, fez vida no cimento. Em Diadema, perto da represa, lá em Eldorado, Vila Paulina é úmido e frio demais de noite. Não tinha nada pra fazer, ouvia os tambores, e comecei a ler os nomes dos livros, da estante curvada, abaloada já com o peso das coisas.
Tinham imãs, pedras, revistas, uma televisão velha e o gravador.
Ouvi coisas esquisitas, ouvi uma voz rouca e baixa, não entendi nada, era voz masculina.
Me encantei com o aparelho e coloquei no bolso.
Acabou o candomblé, de madrugada, raiando o dia, tomaram café os participantes e eu fui embora com a minha avó, voltamos pra casa.
E não é que deu pau?

O Chuleta era ruim, menino que era daqueles que batiam em todos mundo, a gente era menor que ele e ele passava a mão nas meninas, tínhamos uma mistura de raiva e medo dele na escola. Era bem branco, de olhos puxados, cabelo curtinho, cheio de sardas, magro, alto. Dava medo do olhar dele com sorrisinho de canto. Foi ele que sumiu com o gravador da minha mochila.

Nesta e nas minhas outras ladronagens, a pior parte é a sensação que estão a te pegar, vão te tirar a alma (apesar de saber que vão te devolver), vão queimar tuas mãos no fogão como a Lucinha fez com o Pico, com o Pelé ou como a Vó Lice fez com o Mauro. E você parou? Nem eles... Nem eu.

Não queimaram minha mão, nem bateram, mas me destruíram um pouco por dentro.
Eu queria dizer que não foi de maldade, só peguei porque era legal ter um gravador, não tinha erro.
Eu queria contar isso ao meu avô que ta agora no Hospital São Paulo, apesar de saber que ele nem vai se lembrar. Queria que ele desse uma risada dessa história. Ele já me abençoou depois disso, fazem muitos anos e eu acho que não roubei mais nada de lá, apesar de ficar encantada com tudo que ele representa, apesar de cada vez que eu ia visitá-lo ter vontade de chorar (meu irmão e prima sentem a mesma coisa, uma comoção ao ver meu avô no Axé).

Meu tio quando soube o que fiz, me disse coisas muito duras, ele também não se lembra. Eu lembro.

Eu só queria dizer que o peso das coisas, nem sempre é o que pensamos que é.
O valor não é sempre o mesmo pra todos.
A conexão que criamos com aquele que afetamos é algo transtornador, tanto quanto ter sido lesado, ter perdido algo, ter tido sua pele queimada, no fundo dependendo quem você atravessa o caminho, não será mais o mesmo. A marca estará sempre lá pra você se lembrar.
Kamikaze, vejo cabeças em bombas rolando.
Com fibra! Sempre! Aqui é guerra, dá medo disso também.

Por isso nos isolamos num mato simbólico, emudecemos, tornamo-nos mais bicho.
Assim nos protegemos, silenciando, entrando na terra, depois do sangue nas mãos e no chão.
Nossa natureza é assim. Não arriamos, a gente não perde, aqui se grita e se chora, se afasta e o tempo leva. A água que faz sujar paredes também limpa parte da consciência e assim a barriga chama de volta.







sexta-feira, 27 de junho de 2014

Ladronagens, Guerrilhas vietnices, Códigos de conduta

Bye Bye Brasil, Lord Cigano na sua performance mais real diz ( e eu assino embaixo):

"esse negócio de amor dá pra improvisar, sacanagem tem que ser muito bem administrada"

Fui buscar todas as atuações onde a rapinagem se fez presente em nome da presença, abrindo mão da hipocrisia, fazendo jus a natureza de guerra como meu tio diz que nossa família faz parte observando o leito de meu avô.

1999, provavelmente os primeiros encontros com a tendência a usurpar o lugar das demais participantes desta historia a ser dissecada, lembro do Carlos Tadeu e do Rubens e mais tarde do Thiago, sei que indicava uma nova era do ficar e da malhação... ou seja, ninguém é de ninguém. As tardes na Pontengi, perto do Bura, a ida no Ballhaus, boicotando as aulas do Jean Mermoz. As minhas rivais que também foram amigas me contataram a pouco, lembrando os velhos tempos, me apontaram como sendo uma boa sedutora de menores.

2000 a 2004, tendo mudado de bairro e escola, a presença marcante fora as aventuras adolepeixes foi daquele que por muito tempo não pude pronunciar o nome, aquele que além de confiança religiosa, conferi ares paternos, muita mistura para pouca idade ou muita no caso dele. Nos últimos anos de contato tudo se tornou mais tenso e sério. Não fui mais vista como visita amiga e sim como (prazer é todo nosso!) Destruidora de lares.... daqueles sem estrutura e que já eram destruídos por si mesmos...

Lembro de em 2005 ter casado (risos) com quem tinha sido o namorado passageiro ainda que de passagem, assim passando... de uma pessoa amiga.

Na saída eis o encontro com novamente o passo a passo das descobertas juvenis com ares de ex-senhora. Aqui registradas inclusive. Foi a jornalista ou a dançarina...?
Enfim me conferiram o apelido de  Jovem Senhora, caiu como uma luva ou uma mini saia.
Dali foram inúmeros casos de família, que o SBT não registrou nas suas tardes escandalosas.

Como o profissional Lord Cigano e sua companheira (mais profissional ainda Salomé) resolvem se reerguer, eu o fiz...
ao choro, sangue, dores de corno e inchaço nos olhos de ressaca do "Fabio Júnior" e de Capitu, seguimos em frente, montamos uma banda, dançamos, pintamos até.

Mas acima de tudo, a base do prazer.
E esse prazer no sacrifício, na culpa, no esquivo, na saída pela tangente, da direita...que cansa.

Sabe como nos contos onde feiticeiras se escondem em vales, florestas, espaços afastados para dedicarem-se aos seus saberes mais profundos? Das ervas, dos encantos, dos amores, dos olhares, das dores, da solidão, das rugas, do tempo e do silêncio.
E no rolê com outras pessoas... assim se desfez. Algumas vezes pedi perdão, mas não é possível alcançar o raio todo, nem todos sabem. Quem acha que sabe usa de intuição de "oreia".

E o bom de tudo é ter tempo pra isso. Pra sugerir reerguer-se, reescrever-se, reinventar-se.
Pra ser também currada simbolicamente. Tamos ae brésil.

Prestei atenção e pesquisei os códigos de conduta.

A pouco prestei atenção como cientista. Observei, verifiquei, questionei, classifiquei, generalizei, defini e apliquei. Operações intelectuais para a tal construção de conhecimento. Dá-lhe trabalho, nos casos de furto que pesquisei, aqueles que responderam citaram uma questão infantil ao furto/afanar...
eram revistas em quadrinhos, brinquedos, chicletes dentro de rolos de papel higiênico, produtos que não gerariam falta ao dono. Porém o que mais me chamou atenção foi o fato de diversas pessoa não responderem e as que me responderam pessoalmente, também relacionaram o furto a algo infantil. Ou mesmo quando a resposta foi desviada para outros sentidos ou a não existência de uma situação de furto.
A conclusão é que é impossível de não acontecer...  ´abrangente concordo, mas "confessar" dá o tom de humanidade que dignifica a expectativa de outros e pesa na consciência de muitos.

São muitas sugestões que homens e mulheres tem que lidar diariamente em busca de desejos múltiplos que ainda que doam em em alguns corações ou acima deles doam em egos endurecidos possam ser julgados e condenados em eterna sentença condicional. Isso é morte sem direito a reencarnação.

Em catalão, fazer-se prestar é estar disponível a fazer algo por outrem...  Acho que a gente presta sim.

Tina (ritmo tradicional guineense) , na lagoa o espaço mais democrático para resolução de conflitos, aonde em paz pode-se esquecer e deixar com que o rio leve e assim se desenvolverem. Pra nos desenvolvermos precisamos nos conhecer, uns aos outros.

"Você pode amar uma águia, domada ou selvagem?
Domada ou selvagem, você pode amar um monstro de nome assustador?
Ninguém ama uma criança genial
Liberte-a...
E deixe sua alma correr solta."


segunda-feira, 28 de abril de 2014

Heranças? Estratégias ou Não ser forte pra não ficar só?

A cada mil lágrimas, sai um milagre?

meus olhos estão ardendo, não há milagre e sim claro sonhos de monte, aos montes, aos trancos e descendo barrancos, subindo ladeiras de preguiça com a linguiça, mostrando para cachorros e correndo até.............................................. dar aquela dorzinha no baço.

Mas você é forte.

Eu ouvi isso quando fui separada da minha vida a dois.
Eu ouvi isso quando reclamei de sei lá o que da vida pra não sei quem.
Eu ouvi isso na terapia.
Eu ouvi que eu tive que lutar muito pra estar aonde eu estava e ter o que eu tenho.
Apesar de não ter herança.
Apesar de dizerem que minhas armas tem que ser guardadas.
Minha guarda tem de baixar.
Mostrar que preciso de ajuda
Mesmo que eu deteste vítimas. Detesto gente que se queixa.  Sendo intolerante com choramingos.
Me sinto vítima, daquelas piores, chorona, cansada e sozinha.

A vitimização perfeita, daquela que você leva afago no rosto, carinho e condescendência.
Aquela que não querem te deixar dormir sozinha, porque ta frio.

Será que ser frágil, falar manso, "seja meiga, seja objetiva, seja faca na manteiga" me concede um lugar ao sol?

Ser forte e meiga. Guerreira e não mandar. Querer e não poder. Alegoria de semana, pré feriado.

Até hoje não entendi qual buraco as fadinhas, brancas, frágeis de cabelos louros e vermelhos, com faces róseas, olhinhos apertados e voz suave conseguem que eu não consigo.

Eu também queria um muffin desses... quem não? quero, como, lambo os beiços, tomo pra mim e ponto. Do que sobra esses docinhos fofos? Que tem mais além do chantilly e açúcar?

Cavalgo em tempestades, euforias rachadas, navego no Nilo. Amo tudo, amo mesmo. Amo gostoso. Raspo o prato, viajo, passo esponja, bato bolo e faço filho e escovo o corpo todo, tiro o sapato.

Quero que fique.
Se eu perguntar se sou boa, eu sei que sou, não precisa dizer.
Se falar que eu mexo gostoso, eu também sei. Sei tudo, sou petulante mesmo.
Me cala com calor.

Não some.

O que mais é preciso fazer?

Disse um dia o Jo:              dê menos.
Disse um dia o Mazarão:            dê, dê, dê, dê.    
Disse um dia o Duende:                     dê amor Arê.

E como eu fiz.....

Rastro disso na comida, no desenho, no não, no olhar, na cama, no cabelo, na palavra, no cheiro das dobras dos joelhos.

Mas pra que fazer propaganda? Disso eles sabem melhor que eu.

Soube que na lagoa, uma certa comunidade, mulheres bijagós podiam enfim falar, na Tina, cantavam umas as outras sobre estarem como estavam, no momento em que lavavam utensílios e roupas, cantavam, se estavam a dormir com o homem da outra, se sofriam por isso, qualquer angústia, era cantada e ainda é, na água da lagoa, na água da piscina,  lavando, deixando ir, batendo nas cabaças, dançando nas Tina´s, sabias, assim como as nossas lavadeiras, cheias de ladainhas.

Sem eu gritar, sem clamar em voz alta, minha abuelita me ouviu, sentiu de longe, pensou em mim o dia todo, me fará banhos, me lavará, mesmo sem herança, mesmo chorando do lado de lá da linha, que o lá não é muito longe, mas os sonhos são, os sonhos são.

strategia
estrategia
stratègós
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Detalhe Mulher Bijagó, abril 2014