segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Bendita entre, "Extero - Corpo" ou maldita entre as irmãs.

E foi no encontro com o Astro, aquele do João Bosco que me tomou pelo bolero da pedra ametista.

Era lindo, parecia meu antigo marido, barba, branco, magro e póstumo ou quase.
No dia eu esperava o moço da rua, tava de cabelo curto, sem muita sensualidade.
Neste dia por acaso senti o ar me faltar (como aconteceu a poucos minutos na cama).
Tava menino na Bela Vista. Ele não era, nem foi meu.
Hoje ele foi.
Me abriu a carne em lágrimas e palavras escritas.
Me rasguei inteira, começou pelos olhos, seguiu pelo peito desnudo, enquanto descia lágrima pela barriga inchada de dor eu passava a mão e desfazia o caminho que eu já conhecia. Toquei minhas coxas frias pelo inverno que só chega de noite junto com as surpresas  e mistérios  que a tese de doutorado de Salloma fala.

Soube o ponto de partida pra esta inquietação, foi o Astro que me desembestou...
Continuo meio bestial sim. Menos força talvez. Bestial, casada com a solidão de labirinto.

Percebi que sou a próprio ser esquecido na ilha de creta. E como chorei, doído este abdômen, dói não ter amparo, não podia mais dormir.

Exponho todos os dias com requinte, educação ( a falta dela também), beleza, sensualidade essa massa que acompanha meu espírito.
Agora tão manchada e machucada, consigo dar voz ao que venho desenhando.

Aos 11 anos, sofri represália e minha tia e mãe confusas com a minha aparente sexualidade me disseram que era feio um menino da escola dizer que me achava bonita porque minhas coxas eram grossas. o nome dele era (ou é) Rodrigo, sarará, lindo... E olha que adorei o que ele disse. Mas não podia, era feio. Inventaram um causo que só era bacana namorar depois dos 18 anos. Risos! Elas nem se lembrarão disso...

Meu corpo é lindo, eu suspiro e desejo cada curva, cada estria, cada pelo crescendo, cada pelo encravado, cada sangue que corre, cada dobra que some e aparece.

É um presente.

Depois de tanta mutilação, depois de tanto socos que me dei na barriga quando ainda não entendia sua função, depois de tanta meia no sutiã, depois de esticar pra ser mãe, eu sou um regalo, um livro cheio de riquezas e luzinhas.

Eis que me deparo com a minha liberdade sobrepondo a vida alheia.
Eis que não posso comungar a minha matéria com minha irmãs de luta, aquelas que gritam pelo poder da mulher em quintais, livros, periferias, palcos e telas.

Me preparo com esmero, com cremosas misturas, perfumes desinibidos, brilhos, pele rígida, colorida e marcada.
A resposta é que passam como trens em cima do meu corpo, quase toda vez que me deparo com elas, que a princípio pregam que me protegem, eu, mulher, mãe, negra, nascida em periferia, compartilho o trabalho de educar, de fazer pensar e aprender... da saia colorida, da roda de jongo, da quebrada de quadril e do olhar forte. Guerreiras, dizem. Cheguei a ler que são até inocentes as minhas irmãs.

Nem trilhos tenho, o trem é rápido e demorado, são muitos vagões.

Algumas me tocam, brincam de beijar e aceitar depois de desfazer da minha imagem, me abraçam, me atiçam, me largam, me ignoram.

Os homens desejam mas ainda e não entendem a natureza do tal desejo.Treta na certa.

Não é comum se amar, nem se dar na colher como eu propus.

O jogo é duro, o Astro me diz que há lugar no mundo pra mim.

Eu peso e penso ser um circo de horrores.

Em destaque, sou a famosa alegoria. Nas grades, pra  aGRADar, assim combinávamos Tezini e eu.

Não é drama de meninice, é puro tete á tete.

 Ao te mostrar meu corpo desenhado, em paredes, nas fotos, ele é quase aceito. Foi a forma que achei de expandir pele, vontade, força e ainda querem contorna-lo, rasgar,esconder, rs.

O de carne e osso incomoda mais, é debate. Desde a minha casa, passando por saraus, parques, trabalho, até a cama do parceiro.
É sonho mal visitado. E por pouco ele que já cicatrizou não toma mais um baile de chibata.

Sofrer por sua sexualidade negada e clandestina, calada, doída, sangrada. Era pra ser sagrada... era?

No lugar da minha companheira de afago, um olhar de repreensão, chinelo no meio das pernas, piadas ofensivas.

As minhas irmãs, não são verdadeiras, não conseguem cumprir com seu propósito então seguem com as pilhérias, enfrentamentos e maldições.

Extero é pra fora, mas saindo, sem ser tudo que pode e deve. É processo. Estranha, tem entranha, dói.

Meu material físico 'a massa' é trabalho integral, desde que acordo, desde que decido como vou lidar com meu sexo, com a minha amamentação, com o meu cabelo e com meus cheiros, com meu parto e com meu aborto.

"..até eu fui obrigada a me respeitar (parte de uma frase da Lispector, sem palhaçada...)."

Doeu hoje e tem doído. Acho que sei qual o motivo, só  guardando porcarias dentro do meu recipiente íntimo, onde poderia ter uma criança crescendo, comida sendo digerida, sucos transformando... há sujeira que eu vou despejar em poucos dias.
Como fez João Lobo na história de Maria Condão; virou João das Águas Perdidas e eu Ariane das Águas Perdidas em Neves.


Ao Astro, boleros e nada/nunca mais.





4 comentários:

  1. Pulsante, ferino, intenso.. uma ode à vida e ao direito de existir como o coração e a cabeça pedem. Lutas várias, incompreensões aos montes, abandono, saudade e uma pitada de desabafo, do que não foi, do que não aconteceu, do que quase aconteceu. Intensa, linda e querida, assim é vc, pra mim.

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  2. Uma coisa...bucetuda! Com todas suas dores e alegrias. Uma tesudisse só, assim reverberam suas cores.
    Olha só, sagrado: algo que merece veneração e respeito. Parece que vem de sacro, qual ou não deve ter semelhança nesses labirintos etmológicos, o nosso osso sacro. Abro um livro, e dou de cara num trecho que diz que o músculo interno (e dolorido) das minhas coxas, também era chamado de "músculo da moralidade". As suas coxas tbém devem saber a razão do tal apelido.

    Sim, é pra ser sagrado. O pulso é sagrado, se não, entorta o fluxo, entope a vida.

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